Saturday, October 22, 2011

Animações sobre o cérebro e o uso de drogas - Cocaína e Crack parte 2

Antes de fazer uma associação teorica para explicar a diferença entre cocaína e crack no que diz respeito ao efeito de cada um, convém definir um padrão. Devido ao fato de serem homônimos, doravante vou chamar a molécula de cocaína (princípio ativo com número C.A.S 50-36-2) apenas de P.A. e a forma de uso em pó, aquela manipulada por traficantes será chamada de "cocaína em pó".

Após falar um pouco sobre a farmacodinâmica do P.A. na parte 1 desta postagem, vou comentar sobre as diferenças farmacocinéticas do crack e da cocaína em pó. Estas diferenças são devidas principalmente às "formas farmacêuticas*" que este P.A. apresenta, o que leva a uma diferença expressiva na via de administração e na consequente quantidade de droga absorvida.

Comparando as "formas farmacêuticas*", o crack apresenta P.A. em sua forma não ionizada, afinal de contas, o este primeiro é formado à partir da adição de bicarbonato de sódio à água mãe (ou sobrenadante) que restou da purificação da cocaína em pó. Sendo um alcaloide, e se comportando como a maioria deles, ao entrar em contato com meio básico (provocado pelo bicarbonato), a cocaína passa para a sua forma não ionizada, e portanto muito mais volátil e lipofílico. 

Quanto mais moléculas temos na forma não ionizada (sem "carga" positiva ou negativa), mais volátil fica a molécula e portanto, favorável a ser "fumada". Com a alta temperatura da chama do cachimbo de crack facilmente a cocaína passa da fase sólida para a gasosa, isto é claro, quando não ocorre a decomposição das moléculas do P.A. Mas é evidente, julgando os efeitos fisiológicos destruidores do crack, que a decomposição do P.A. pelas altas temperaturas não é tão relevante à ponto de prejudicar o efeito.

Quanto mais lipofílico, além do aumento da volatilização, a molécula fica mais fácil de ser absorvida por membranas de tecidos humanos. É interessante ressaltar que, comparativamente, o forma de cloridrato de cocaína ( sulfato de cocaína ou ionizada com outro ânion qualquer presente na cocaína em pó) é bem menos lipofílico que a base livre da cocaína P.A. (presente no crack).

Além destes problemas da base livre, temos a área de absorção da droga. Enquanto na cocaína em pó o P.A. é absorvido pela mucosa do nariz, na fumaça do crack é absorvida pela mucosa dos pulmões. Se considerarmos que a área de trocas gasosas do pulmão é equivalente à meia quadra de tênis, e que a área da tela de meu laptop de 15" seja maior que a área da mucosa nasal**, a área do pulmão é várias vezes maior que a área da mucosa nasal.

Além disso, podemos associar o efeito vasoconstritor do P.A. a área do órgão que absorve a droga. Uma pequena área de 1cm2 nas narinas atrapalha muito a absorção da droga por esta via. No entanto a vasoconstrição uma área equivalente no pulmão não atrapalha tanto, pois existe muitas outras áreas disponíveis para a absorção da droga.

Portanto, acredito que afirmar que o crack é uma "forma farmacêutica*" aprimorada da cocaína P.A. não é exagero. Ironicamente, o subproduto da purificação da droga original (pó de cocaína) é mais efetivo para produzir os efeitos da droga. Porém, os efeitos são muito exagerados, inclusive na capacidade de gerar vício, e de levar o seu usuário à uma vida extremamente lamentável (para dizer o mínimo).

*os mais teóricos e puristas que me perdoem por usar este termo 3 vezes para cocaína em pó e para o Crack, mas, a princípio, não encontrei um temo melhor para diferenciar as duas formas de apresentação desta droga que não tem ação farmacológica. Talvez o termo "forma de apresentação" seja um termo melhor, mas gosto de abrir margem para discussão.

**pelo que me lembro das minhas aulas práticas de anatomia de 13 anos atrás, acredito estar certo quanto a área da cavidade nasal.

Para os outros vídeos desta série, procure neste blog pelos seguintes assuntos: "Cérebro", "SNC", "Uso abusivo de drogas". Ou acesse os endereços abaixo (onde estão apenas os publicados até o dia 22/10/2011):